sábado, 23 de agosto de 2008

Ânima

Por que te afliges,
alma minha?
Observai a acácia
do teu jardim de inverno
e verás quão absurda é
a finitude que temei.

Ontem era outono
e suas folhas
cobriam o chão:
desintegraram-se
para integrar-se;
compor uma ordem
a que tudo obedece.

Assim também
contigo será:
ao inverno sucederá
a primavera
e à tua ignorância
a sabedoria se sobreporá.

Por que te afliges,
alma minha?
Entrega-te ao olhar
do Maestro
de que ninguém fugirá.



Ana Trajano

terça-feira, 22 de abril de 2008

A Morte de Cada Dia

Hoje morri.
Morri e não pretendo renascer.
Não o mesmo: Egoísta, Malicioso,
Insensível e Preguiçoso.
Não foi morte matada
Nem morte morrida
Foi, sim, morte anunciada
De quem não se contenta
Com a mediocridade de ser humano,
De ter olhos e não enxergar
De ter braços e pernas e não se realizar
Alias, eu não morri
Estive morto e estou renascendo
Agora que vejo,
deixei de ser moribundo.

Marielson Araujo

terça-feira, 15 de abril de 2008

Arquiteto de Mundos

De lápis, régua e compasso em punho
Pus-me a traçar.
Linhas retas, curvas, diagonais
côncavos e convexos
figuras as mais distintas possíveis.

Estava a construir mundos e galáxias;
não aqueles de barro e cimento
pedra e concreto.
Tinha como meta algo mais simples,
porém esplendoroso e significativo:
arquitetar o inaudível e construir o invisível.

Criei, então, minha estação base
Alicercei-a de fé e amor, de paz e perdão
De modo a permanecer firme e solta em pleno ar.

Nesta, a fase mais complexa e trabalhosa
investi grande tempo e muito suor.
Bati muito cabeça, mas afinal me pus a flutuar
no tempo e no espaço como balão cheio de ar,
águia que plana em vôo.

A isto chamei de construção do eu,
de espaço vital, de mundo intra-interior.

Marielson Araujo

sábado, 21 de julho de 2007

O JOGO DA DÚVIDA

Amei, ontem, uma mulher...
Não a amo; não amei?

Entrei, ontem, num rio;
Terá sido mesmo eu?

Transgredi uma lei;
Terá sido uma transgressão?

Cometi hoje um erro;
É preciso correção?

domingo, 1 de julho de 2007

Coração Rasgado

Tô de coração rasgado
Rasgado como se fosse flor
Jornal despedaçado
Estou sofrendo as dores de amor

Oh dor que me consome
Como se vida vela fosse
Estou morrendo aos poucos
Iludido pelo doce fel do amor

O amargo se me tornou doce
O carrasco em hábil escultor
Estou tendo o coração rasgado
Pela forte indiferença do amor

Oh querida, oh paixão
Estenda-me, por favor, a mão
Não me deixe morrer sozinho
Por falta de compreensão

Ah quem me dera
Os cabelos do meu amor tocar
E em seu ouvido sussurrar
Suportaria em paz o doce amargo de amar.




Marielson Araujo

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Assim Será...

Onde quer que exista ser
Assim será. Nada que possa
Acontecer, de fato, mudará.

Aliás, mudar é algo inerente ao ser,
Mesmo que o ser
Seja o nada ser.

Mas, como disse, assim será,
Assim será, assim será...

Seja em casa, no bar ou na rua.
No trabalho, nos espaços sociais
Ou no além mar,
Onde quer que exista ser assim será.

Será que será, que será
Que o ser mesmo sem nada ser, ou ter,
Quererá ser, submeter, subjugar e
Por que não dizer, pisotear, amarrar, castrar.

Isto porque não ser, não submeter,
Não subjugar é sinônimo de não existir,
De não ser chamado de tal, de senhor de capital.

E isto é uma desgraça que se alastra
Por todo ser.
Pois mesmo querendo eu não ser,
Pego-me trilhando o caminho do ser
Para poder não ser ou mesmo existir.

Ser ou não ser, assim disse o poeta,
Eis a questão.
Eu gostaria de não ser, se possível fosse,
Para não trilhar o caminho que produz morte,
dor que se parece indolor.

Como não posso renunciar o ser,
Nem fingir que não sou,
Quero considerar que também tu és;
Igual e diferente, sem, contudo, inferior.

Por que será que sou, mesmo nada o sendo?
Por que subjugar, dominar,
Ao invés de democratizar?
Por que será que não o sendo
Queres ser mais do que eu, e eu mais que você,
Quando ambos podíamos ser sem que a existência
De um anulasse a necessidade de ser do outro?

Por quê? Por quê? Por quê?
Eu sei! Eu sei! Eu sei!

Onde quer que exista ser
Assim será. Nada que possa
acontecer, de fato, mudará.



Marielson Araujo

quinta-feira, 7 de junho de 2007

CONTRATO DE VIDA

Não é próprio do Eterno
Submeter-se à vontade humana.
Portanto, quero sem pranto,
sem canto e desencanto
Estabelecer contigo meu pacto
Meu amigo, meu eu, meu constante.


Amar é condição primordial pra se viver;
a vida, o outro, o ser e o não ser.
Sem amor nada se planta, nada se faz;
não se instrui.
No que depender de mim,
quero viver para amar e amar pra viver.
Portanto, quero sem pranto, com canto e
sem desencanto firmar neste contrato
sua pedra angular:

Amar...amar...amar...
A vida, o outro, o ser e o não ser.

Prazer...prazer...prazer...
De viver, de servir, de amar.
Eis o fim do viver: o prazer.
Em ver a planta nascer, crescer e desenvolver.
Prazer no olhar, no ouvir e no tocar.
Prazer de gente apaixonada mesmo,
Mas, prazer, também, de gente refinada
que renuncia o bom pra se encontrar extasiada.
Quero viver, servir e amar.
Quero, com tudo, prazer gozar.

Servir...
Haveria ação tão menos prezada?
Vejo prevalecer o subjugar,
o ganhar, o humilhar.
Não sei onde o humilde encontrar;
aquele que serve antes de servido ser.
Que não se anula em busca de poder.
Por isso quero viver a dois verbos conjugar:
Servir e Amar...
Para amar servindo e servir amando.
Quem sabe, pois, assim, caráter de servos
possa eu forjar.

E quando a morte,
sentença marcada de todos, chegar
com intrepidez, quero, pois, dizer:
Vivi, Amei e Servi;
tudo com prazer refinado o fiz.


Marielson Araujo